17 de set. de 2009

Carmíneo



Noite. Estava em seu quarto, respirando lentamente. As paredes eram limpas, mas o ar, sujo. Estantes, livros, objetos espalhados. Caos ordenado. Sujeira limpa. Acordou, ouvindo o som abafado. Seus olhos abriram rapidamente. Estava tudo escuro. Ela logo pensou que eram as formigas. Revirou o rosto para cima, contemplando a cena enfadonha. Nada via, só alguns vultos, pois a caligem processava sua visão. Seus sentimentos se ajustavam ao ambiente... Como um morcego à luz do dia. Esticou suas pernas, mergulhou-as ao chão. Pôs-se simultaneamente de pé. Seus membros estavam ainda se adaptando à nova posição. Reviros e mais reviros. Suas mãos estavam gélidas, e suas pupilas, dilatadas. Expressão nenhuma se encontrava em seu rosto. A ausência de movimento no ambiente era uniforme. O barulho sorrateiro fez-se novamente. Sua percepção, então, aguçou-se. Ela levantou hipóteses do que poderia ser. “Talvez, uma mariposa a cantar,” “Um botão de flor que fora cortado,” “Os talheres dançantes da cozinha,” “O tempo que agoniza em suas feridas,” “Segundos que, à medida que passam, golpeiam o ar.”

Assim, então, inaugurou seus pés. As vozes dormiam a esta medida. Abandonou o seu quarto, seguindo corredor a frente. Contemplava as plantas que corriam ao redor das paredes. Vinhas e mais vinhas, flores rejeitadas, cogumelos esporádicos. As pinturas enroscadas às vinhas falavam de onde vinha o barulho. Não se ouvia uma palavra. Não se importavam com ela, mas queriam avisar. O corredor era imenso, e quando ela chegou ao final, viu a flor cálida debruçando-se sobre o apoio. Era uma Lycoris Radiata. Flor que controla os fios tecidos da vida. “Você quer que eu a corte?,” pensou a garota. A flor pareceu responder. Entendeu perfeitamente. “Muto bem, então. Não me darei este prazer esta noite. Não me interessa isto agora. Adeus.” E assim, deu-se as costas.

A flor, decepcionada ficou, pedindo para que aceitasse o pedido. Negação era o que fluia no ar. A flor revoltou-se. Não tinha espinhos, mas controlava os fios. Subitamente, arrastaram-se pelo chão,e a garota não percebera. Enroscaram-se em seu tornozelo. Ela não reagiu de forma alguma. O ser vermelho, então, puxou-a com agressividade, arrastando-a de volta. De suas raizes, brotaram os pêlos que subiam o corpo de sua presa. A garota continuou sem reação. Os pêlos envolviam-na rapidamente, até chegarem aos seus olhos. Perfurou as conjuntivas, agarrando o interior de suas pupilas. Ela continuava sem resistir. Mesmo que a perfuração e todo o retorcido por dentro fosse intensamente agoniante, Ela engoliu a dor em seco, em silêncio. Mesmo que sua vida estivesse sendo esvaída de si, não importava.

Os pêlos enroscavam o seu corpo todo. Seus ossos logo estavam sendo pressionados. A força era bem maior que a área. Ela sentia agora seus fluidos nitidamente. A flor gritava em cólera. De qualquer jeito, queria uma reação d’Ela. Nenhuma fora contemplada. Após as pupilas, os pêlos escalaram o cérebro. Distorciam tudo pelo interior. A garota continuava consciente, não se sabe o por quê. Os ossos logo romperam, perfurando a caixa pulmonar. Hemorragia interna. Em contraparte, seu crânio segurava o tesouro com força, ainda. O corpo fora levantado ao ar pelos pêlos, e a flor estava em êxtase. Os fios vibravam intensamente pelo ar em forma de ondas. O corpo, lentamente, era dilacerado. A pele fora rasgada lentamente, os órgãos internos, ao mesmo tempo, danificados pela pressão.

Os membros da garota não respondiam mais, pois seu pescoço fora rompido. A flor, somente após sanar seu desejo tentador, reconheceu o que tinha feito. Os fios agora não poderiam ser puxados. As raízes, não mais torcidas e desprendidas. Continuou Ela, sem reação. Seu cadáver ainda respirava. O ar fluia de seu pulmão expandido, atravessava a podre traquéia, e libertava-se. Seus olhos ainda reviravam. Suas pupilas, ainda dilatadas.

Os pêlos desprenderam-se do corpo, e ela repousou no chão. Não havia ninguém para contemplar a beleza de sua decomposição. Nem mais as vozes, que [in]felizmente nunca mais se agitariam. A flor, com o tempo, murchou. Liberdade foi tomada. O vácuo, que nunca se desmanchou, nasce aqui, e agora.

Nikku

3 comentários:

  1. É sempre bom ler novos estilos..
    blog interessante

    vlw

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  2. E seus pensamentos, seus sentimetos...Ah...Esses fizeram a flor soltar... E antes disso... A fizeram prender...O vácuo sempre esteve aí, o nada, sempre.

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